A natureza encolhe
Ao longo da evolução da vida em
nosso planeta, muitas espécies animais foram extintas, numa conta que pode ser
atribuída à natureza – por exemplo, a partir de aquecimentos globais,
glaciações, alterações ambientais abruptas causadas por inundações ou grandes
erupções vulcânicas. Outro processo do gênero está em curso atualmente, mas
agora com características diferentes: a população de certas espécies está
encolhendo em velocidade muito maior que a natural e animais bem conhecidos
figuram na lista, como elefantes, girafas e abelhas.
O mais amplo e recente alarme foi
dado pela organização World Wildlife Fund (WWF) e a Zoological Society of
London (ZSL), em um relatório no qual indicam que mudanças climáticas,
atividades agropecuárias e de extração de recursos naturais e a caça ilegal
estão dizimando populações de mamíferos, pássaros, peixes, anfíbios e répteis.
De acordo com o documento, a população dessas espécies sofreu uma baixa de 58%
desde os anos 1970. A média de redução anual entre os animais, de 2% ao ano,
tende a se manter ou a piorar. Nesse ritmo, as perdas podem chegar a 67% até
2020.
A mais recente inclusão na
categoria de espécies em perigo é o guepardo (chita), o mamífero mais rápido do
mundo. A World Conservation Society (WCS) e a ZSL calculam que restam pouco
mais de 7 mil indivíduos na natureza, ocupando hoje somente 9% do seu
território original nas savanas da África. Apenas no Zimbábue, a queda
registrada no número de guepardos é de 85% num período de 10 anos. As girafas
seguem o mesmo caminho, tendo perdido 40% da sua população nos últimos 30 anos.
Rinocerontes e elefantes também
estão em situação bastante vulnerável e suas populações vão minguando em
território africano, encurraladas pela redução progressiva de seu habitat
natural. Além disso, eles são vítimas da caça ilegal. Os caçadores abatem os
gigantes africanos de olho em seus chifres de marfim, que, de acordo com a
medicina oriental, teriam poderes curativos. O abate de elefantes chegou à
escala absurda de cem por dia durante o período mais crítico (entre 2010 e
2011), e o de rinocerontes registrou um salto de 9.000% entre 2007 e 2014, de
acordo com relatório do WWF.
Biomas
sob risco
No Brasil, a Mata Atlântica foi o
primeiro bioma a sofrer os efeitos da urbanização e do descaso ambiental, e a
redução de sua área (hoje equivalente a 7% do original) foi um grande golpe na
preservação de espécies como o mico-leão-dourado. Mariana Napolitano, diretora
do WWF Brasil, chama a atenção também para outros dois biomas sob risco, o
Cerrado e a Caatinga.
Em relação aos seres aquáticos,
as ameaças também são uma constante, a começar pela pesca. Não só aquela ilegal
e desordenada, mas também a chamada pesca fantasma, quando pescadores abandonam
suas redes que, à deriva, continuam capturando animais, os quais acabam por
morrer. A lista inclui ainda a poluição das águas com rejeitos industriais
químicos e outros efeitos da mudança climática, como o aquecimento dos mares,
fato que turbina o processo de dizimação de diferentes espécies que lá vivem, como
os corais.
Saber o tamanho do problema é o
primeiro passo para começar a resolvê-lo. Um dos termômetros consagrados para
isso é a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, elaborada pela União
Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A
ferramenta cataloga espécies e as monitora com base em indicadores científicos.
Até hoje, a IUCN tem cerca de 80 mil espécies identificadas e catalogadas,
número que projeta dobrar até 2020.
Ainda assim, a lista não
representa 10% das espécies que existem no planeta. E, das 80 mil avaliadas, 24
mil enfrentam algum grau de ameaça. “Os dados da IUCN são muito pequenos ainda
perto do universo que temos; por isso, pode estar havendo extinções que nem
conhecemos”, diz Carlos Duringan, diretor do WCS no Brasil e membro do grupo de
pesquisadores do IUCN. “O desaparecimento de espécies é um indicador de que
estamos degradando o ambiente e, com o tempo, isso vai chegar até o homem. Não
é algo simples, estamos falando da conservação de vida no planeta”, alerta ele.
Prejuízos
em série
Crises ambientais certamente
geram crises econômicas. A situação dos polinizadores, especialmente as
abelhas, é um bom exemplo. Eles não têm vez com a escalada da produção agrícola
e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Com a queda de população polinizadora,
os setores agrícola, alimentício, cosmético e medicinal são prejudicados.
Estima-se que as abelhas respondam por dois terços do que consumimos e ajudem a
gerar, só em nosso país, uma riqueza equivalente a US$ 12 bilhões.
O Ministério do Meio Ambiente do
Brasil lançou no ano passado o Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção,
contendo um novo levantamento das espécies ameaçadas, com mais de 12 mil
espécies analisadas – um dos maiores esforços globais de avaliação. A partir da
metodologia da IUCN, detectou-se que 1.173 espécies estão sob ameaça em
território brasileiro. “Nosso conhecimento melhorou muito no Brasil nos últimos
10 a 15 anos”, diz Mariana. “Essa última avaliação mostra uma evolução e uma
seriedade em relação a esse processo. Quando a gente fala que uma espécie está
ameaçada, tem que ter certeza do que está falando, e esse processo melhorou
muito.”
A velocidade das ações para
conter a dizimação de espécies não acompanha o ritmo de avanço do problema. Mas
esforços feitos ao redor do mundo por governos e ONGs mostram que agir faz
efeito. Uma das medidas mais eficazes para conter a perda de habitat natural
(uma das grandes responsáveis pela perda de espécies) é a criação ou o aumento
de áreas de proteção. As lutas do WCS incluem derrubar o conceito de que áreas
protegidas atrapalham o desenvolvimento (como alegam alguns setores da
sociedade) e concentrar-se em mostrar que hoje essa agenda não está à margem do
desenvolvimento econômico.
Os trabalhos desenvolvidos com
pandas, por exemplo (veja ao final da reportagem em “Trabalho de formiga”),
mostram que ampliar áreas protegidas é uma luta que vale a pena enfrentar.
Duringan ressalta que as áreas para conservação não são isentas de uso. Elas
possuem graus de utilização e, de forma planejada, é possível desenvolver
atividades econômicas em paralelo.
Zoológicos
do bem
A atuação de cativeiros e de
zoológicos comprometidos com pesquisa e conservação de espécie é outra frente
de atuação com resultados animadores, de acordo com o WCS e a ZSL. Centros de
conservação e estudo de espécies demandam investimento e trabalho monitorado no
cativeiro, com esforços para a reabilitação e reintrodução das espécies no
meio ambiente.
“Hoje, é patente o trabalho de
zoológicos e aquários no mundo”, afirma Duringan, ressaltando que existem
zoológicos lidando com espécies que não têm mais seu habitat. Os orangotangos
são o principal caso, pois tiveram uma perda drástica de habitat e praticamente
todas as ações de conservação realizadas hoje acontecem em cativeiro.
Os zoológicos também possuem
apoios específicos para cada espécie e participam de programas globais de
conservação dos habitats em 40 países nos cinco continentes. Além disso,
trabalham na captação de recursos financeiros e em campanhas de sensibilização.
Para celebrar essas conquistas, a
Zoological Society of London promoveu em abril um seminário dedicado ao
otimismo com que conservacionistas querem tratar o tema, o Conservation
Optimism Summit. A entidade acredita que as notícias negativas dominam o
noticiário de uma forma que leva a consciência coletiva a interpretar a questão
como encerrada. A ideia é chamar a atenção para as conquistas de suas
iniciativas.
Se não fossem os esforços para
criação de áreas protegidas, convenções sobre comércio internacional de
espécies ameaçadas ou ações anticaça ilegal, por exemplo, o problema poderia
ser ainda maior. “Precisamos criar uma visão positiva de futuro, focar nas
soluções e inspirar a sociedade a tomar uma atitude. Precisamos celebrar o
sucesso, identificar o que está funcionando e aplicar em maior escala”, afirmou
Jonathan Baillie, diretor da ZSL, na divulgação do evento para a imprensa.
“Todas as ações combinadas têm
algum êxito, diminuem o grau de ameaça às espécies, mas, como a ameaça é um
fato contínuo, muitas vezes damos dois passos e voltamos um”, lamenta Duringan.
Para exemplificar isso, em março, um tribunal da África do Sul revogou a
proibição que vigorava no país ao comércio de chifres de rinoceronte. É preciso
mais trabalho para manter o otimismo.
Trabalho
de formiga
Frear e reverter a perda de fauna
é trabalhoso e exige persistência, mas algumas iniciativas mais recentes ou de
maior repercussão indicam que dão resultado. Confira algumas dessas iniciativas
a seguir.
• Mico-leão-dourado – É um dos casos mais emblemáticos no Brasil.
Campanhas de conscientização com forte estratégia de divulgação e esforços em
delimitar e proteger seu habitat tiraram esse pequeno primata do nível de
“criticamente em perigo” nos anos 1970 (menos de 150 indivíduos na Mata
Atlântica) para “em perigo” atualmente (população de 3.200).
• Arara-azul-de-lear – Essa espécie endêmica da caatinga baiana
entrou para a lista dos ameaçados de extinção, com uma população de apenas
1.358 exemplares na natureza. Uma das ações para conter a perda foi repatriar
um indivíduo macho apreendido na Argentina. O pássaro chegou no início de abril
e, após uma quarentena, segue para criadouro em Minas Gerais, onde será
agrupado com outras três fêmeas para aumentar as chances de reprodução.
• Panda gigante – Depois de atingir o nível de quase extinto, essa
espécie saiu da categoria “ameaçada” para “vulnerável” após ambientalistas
concentrarem esforços na expansão de florestas de bambus – seu habitat natural
e essencial para a alimentação dos pandas –, além de reprodução em cativeiro.
Enquanto isso, o mamute-lanoso…
Desaparecido da face da Terra há
cerca de 4 mil anos, o mamute-lanoso poderá estar de volta ao planeta por meio
da engenharia genética, afirmam cientistas americanos. Quem está conduzindo a
experiência é uma equipe da Universidade Harvard, que planeja criar um embrião
híbrido no qual um elefante-asiático seja programado com características do
animal desaparecido. Em palestra realizada em fevereiro, na reunião anual da
Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês),
George Church, líder dos pesquisadores, afirmou que sua equipe está a dois anos
de atingir esse objetivo. “Nossa meta é produzir um embrião de elefante-mamute
híbrido. Na verdade, seria mais como um elefante com um grande número de
características de mamute”, declarou.
Os cientistas estão usando a
técnica de edição genética Crispr, para inserir os genes de mamute. Pelas
previsões, as características mais nítidas dos mamutes no “mamufante” seriam
pequenas orelhas, gordura subcutânea, pelos longos e desgrenhados e sangue
adaptado ao frio. Até se chegar a ele, porém, muitos anos se passarão, advertem
os pesquisadores.
Fonte: Ana Carolina Nunes - Revista Planeta
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