LIXO - Inimigo invisível
O
problema
Cada vez mais presente em nossas
vidas e, ainda assim, muitas vezes invisível, o lixo é um dos maiores inimigos
do mundo contemporâneo. É possível acabar com ele?
O ritual de colocar o lixo para
fora de casa traz uma sensação irreal; a de que a nossa relação com aqueles
resíduos termina ali, distante da intimidade dos nossos lares. Uma pesquisa do
Ibope, há dois anos, apontava o tratamento e acúmulo de lixo como a quarta
preocupação do brasileiro sobre o meio ambiente, atrás de desmatamento,
poluição da água e aquecimento global. "Como na maior parte do Brasil
existe coleta de lixo, ele parece ser objeto de um passe de mágica; você o
coloca para fora de casa e alguém o leva", explica Helio Mattar,
diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. "O problema
vem de um impacto que não é perceptível", completa.
Como
produzir menos lixo
Para Mattar, a falta de
conhecimento sobre os impactos do lixo no meio ambiente ajuda nessa
passividade. "Para as pessoas, uma vez que o lixo sai dos domicílios,
alguém está cuidando dele. O suposto é que o problema está sendo resolvido. Mas
o impacto da decomposição nos lixões, que gera enormes quantidades de chorume
que entram pela terra e poluem lençóis freáticos, é algo que não é visto. É
completamente invisível, opaco."
Em 2013, cada habitante do Brasil
produziu em média pouco mais de 1 quilo de lixo ao dia. Esse número - que não
considera, por exemplo, dejetos industriais - é parecido com a média de outros
países, como Suécia e Estados Unidos. A diferença, entretanto, está no destino
desse lixo.
Resolver a questão pode não ser
simples, mas há alguns caminhos para isso. Afinal, a maior parte dos resíduos
pode ser reaproveitada, especialmente na compostagem (para orgânicos),
reciclagem e até na polêmica queima para geração de energia. A Política
Nacional de Resíduos Sólidos, lei aprovada em 2010 depois de mais de duas
décadas de debate e impasse, é um marco nesse sentido.
Repensando o consumo - Analise
se você precisa mesmo comprar um novo produto e avalie se pegá-lo emprestado de
alguém ou alugá-lo não é viável e mais fácil - de repente você nem vai usá-lo
muito: pense na durabilidade e qualidade: evite modismos, utilize até o fim da
vida útil tudo o que você compra.
Aproveitando integralmente os alimentos -
Muito do que vai para o lixo atualmente poderia facilmente ser usado em
receitas variadas. O site da organização não governamental Banco de Alimentos,
que atua no combate ao desperdício, tem várias recomendações de como aproveitar
melhor a comida.
Reutilizando - O computador
quebrou? É melhor arrumá-lo do que comprar outro novo. Acabou o sorvete? O pote
pode virar embalagem para alimentos. Prefira consertar e dar novas utilidades
às coisas do que enviá-las à reciclagem, que consome energia, ou ao aterro,
onde podem contaminar o meio ambiente.
Avaliando o impacto negativo -
Prefira produtos que tenham embalagens menores - 20% do lixo urbano gerado no
Brasil vem daí. Use sacolas retornáveis todas as vezes que precisar ir ao
mercado, pois isso reduz o consumo de sacolinhas plásticas descartáveis, que
depois irão para o lixo.
Doando - Se algo ainda pode ser
reaproveitado por outras pessoas e não tem mais utilidade para você, doe em vez
de jogar no lixo. De roupas e aparelhos eletrônicos a sobras de alimento
comprado em excesso, tente fazer o exercício de pensar em como aquilo pode ser
útil para o próximo.
O destino
do lixo
Anualmente o Brasil produz em
torno de 62.730.096 toneladas de lixo urbano (IBGE 2012).
Central de Triagem para Reciclagem -
Depois de recolhido separadamente pela coleta seletiva, o material reciclável
segue para essas centrais - que podem ser mecanizadas ou de triagem manual. E,
depois de segregado de acordo com a sua composição, cada tipo de material é
vendido para empresas que reciclam materiais específicos - como plástico PET,
papel branco e outros - para fazer novos produtos.
Lixões - Mesmo proibidos, eles
continuam em atividade em mais da metade dos municípios brasileiros. E geram
mais problemas do que soluções. O chorume, o líquido gerado pelo lixo,
contamina o solo e pode chegar ao lençol freático, contaminando também a água:
os gases da decomposição dos dejetos, como o metano, são liberados sem
controle: a céu aberto, os detritos atraem animais e insetos.
Aterros controlados - Tomam
alguns cuidados para diminuir o impacto ambiental dos resíduos ali depositados,
mas apresentam pouca evolução em relação aos lixões. O chorume pode ser
parcialmente captado, contaminando menos o solo e o lençol freático: parte do
gás gerado na decomposição é queimado, mas sem controle: camadas de grama e/ou
argila cobrem o lixo e controlam a concentração de animais e insetos.
Aterros sanitários - São
construídos com controle dos gases gerados pelo lixo, além de evitarem a
contaminação do solo e do lençol freático. A base é impermeabilizada com
camadas que impedem o vazamento de chorume. Esse líquido vai para tratamento:
os gases são eliminados por queima ou armazenados: a quantidade de lixo é
calculada, e ele é disposto em camadas que vão sendo cobertas.
Como este
problema já foi resolvido em outros lugares
"A culpa no crescimento de
resíduos não é de quem lida com ele, e sim o resultado do consumo de
todos", diz Anna-Carin Gripwall, diretora de comunicação da Avfall
Sverige, associação que cuida da gestão de resíduos na Suécia. O país europeu
virou referência na área ao reduzir para apenas 1% a quantidade de lixo que
acaba em aterros sanitários. Ainda assim, é necessário fazer mais, acredita a
porta-voz; "É preciso focar mais na redução, reutilização e
reciclagem."
O projeto sueco começou nos anos
60 com uma campanha de conscientização quanto aos resíduos sólidos, destacando
a importância da separação de recicláveis e a responsabilidade de cada um,
conquistando assim a colaboração e a confiança do público. Esse esforço na
educação ambiental é semelhante ao que foi aplicado no Japão no mesmo período -
e que levou a cenas surpreendentes na Copa do Mundo no Brasil, quando
torcedores japoneses se organizaram para recolher a sujeira das arquibancadas
depois dos jogos.
Nos Estados Unidos, San Francisco
é exemplo nessas ações. O programa Zero Waste tem um objetivo claro; não enviar
material algum para aterros ou incineração, isso graças a uma série de ações
que encaminham o resíduo sólido para a reciclagem e o orgânico para a
compostagem, além de estimular a diminuição da produção de lixo em geral.
Para facilitar a coleta e o
tratamento do lixo, a cidade criou um sistema que divide o lixo em três
caçambas residenciais; recicláveis, material orgânico compostável e o que deve
ser aterrado. E sim; além de separar o lixo, o consumidor paga um imposto
específico, que varia entre R$ 58,50 e R$ 80,80, dependendo do tamanho das
caçambas usadas. Ou seja, menos resíduo produzido equivale a menos dinheiro
gasto.
Como
resolver aqui no Brasil
Com a Política Nacional de
Resíduos, as responsabilidades quanto ao lixo ficam bem mais claras.
"Antes, os responsáveis pelo resíduo eram os municípios", explica
Silvano Silvério da Costa, presidente da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana
de São Paulo, que também já trabalhou no Ministério do Meio Ambiente.
"Agora existe a chamada 'responsabilidade compartilhada'. Os fabricantes,
indústria, importadores e comércio passaram a também ser responsáveis pelos
resíduos gerados a partir de produtos que colocaram no mercado", completa.
"O grande desafio para fazer
com que as pessoas se engajem na solução dos problemas é mostrar que elas de
fato poderiam viver em uma sociedade muito melhor se todos se dedicassem, sem
esperar que algo completamente abstrato, como 'o governo', fosse
resolvê-los", afirma Helio Mattar. Para que o problema
"invisível" do lixo brasileiro comece a ser solucionado, existem
alguns caminhos possíveis.
Cada brasileiro produz em média
383 kilos de lixo por ano (IBGE 2012).
O
conhecimento tem de ser espalhado
Fazer a população entender a
necessidade de separar o lixo orgânico do reciclável já é um grande desafio,
mas o que vai acontecer quando o Brasil chegar ao ponto de ter de separar
orgânico, reciclável e rejeito (lixo que não pode ser reaproveitado, tendo de
ser aterrado)?
Um exemplo brasileiro de sucesso
com a educação sobre resíduos é o de Curitiba. Ações de conscientização entre
2005 e 2012, como a campanha SE-PA-RE, levaram a população a separar o material
reciclável a ser coletado, gerando um aumento de 192% na reciclagem local. A
Prefeitura também investe, desde o fim dos anos 80, em uma campanha chamada
Câmbio Verde, na qual recicláveis são trocados por verduras, legumes e frutas.
Será
preciso empenho de cada um
Por volta de 51% do lixo urbano é
material orgânico, que acaba em aterros ou lixões. Se no campo de coleta
seletiva de recicláveis é vista uma evolução constante, mesmo que lenta, os
orgânicos ainda estão em segundo plano. O ideal é que eles sejam tratados em
casa - e é nisso que alguns municípios começam a apostar.
Em São Paulo, que produz 6.300
mil toneladas diárias de resíduos orgânicos, a Prefeitura iniciou um programa
de distribuição de composteiras caseiras, nas quais o cidadão pode transformar
esse tipo de lixo em adubo. Dois mil desses equipamentos foram distribuídos,
mas 10 mil pessoas se inscreveram no programa.
"Essa ação tem um prazo de 6
meses, é para entendermos o perfil do cidadão que adere a essa proposta de
retenção do resíduo orgânico no domicílio, de forma que possamos ampliar isso
para até 1 milhão de domicílios", conta Costa, que lembra que a cidade
também tem uma iniciativa que pretende compostar os restos de alimentos das 880
feiras de rua na cidade.
Responsabilidade
Um ponto pouco debatido da
Política Nacional de Resíduos Sólidos diz respeito a um incentivo direto à
conscientização do valor gasto com a coleta e tratamento de lixo no Brasil;
existe um prazo para que os municípios deixem claro que há um imposto dessa área.
Cidades que têm essa "taxa do lixo" embutida em outros tributos, como
IPTU, terão de separar essas cobranças. Isso tornará as responsabilidades
sociais e financeiras de todos sobre esses serviços mais evidentes. São Paulo
teve uma experiência conturbada com esse tipo de imposto durante a gestão de
Marta Suplicy, mas especialistas acreditam que esse é o caminho correto.
O diretor-presidente do Instituto
Akatu defende uma posição até mais incisiva na tentativa de conscientizar e
determinar responsabilidades do cidadão. Para ele, a coleta de resíduos não
deveria ser feita nas residências, mas sim a partir de pontos pré-determinados
em cada bairro. Caberia a cada um levar o lixo até lá.
"Com isso se elimina uma
parte grande do custo da coleta. Além de mais econômica, essa prática faria
cada pessoa perceber mais o quanto de lixo ela realmente está gerando, porque
terá de carregá-lo para cima e para baixo", afirma Mattar.
"Cada um de nós tem um papel, sim, de fazer escolhas mais
conscientes para reduzir a pressão sobre os recursos naturais" - (Gustavo
Lemos)
Fonte: Paulo Terron
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