ZEE - Zoneamento Ecológico Econômico


A distribuição espacial das atividades humanas e suas construções, intercaladas a ambientes naturais e áreas rurais, lembra uma maquete em que elementos variados formam um único conjunto. Mas o conflito entre ocupação humana, economia e preservação ambiental está distante dessa imagem de harmonia. Para nortear a gestão equilibrada do território são necessários instrumentos de planejamento e ordenação das atividades. Entre eles, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) coloca-se como a principal ferramenta de planejamento ambiental no Brasil.
Dentro da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), o ZEE é um instrumento legal de diagnóstico do uso do território visando assegurar o desenvolvimento sustentável. Divide a terra em zonas, a partir dos recursos naturais, da sócio-economia e de marcos jurídicos, onde são definidas potencialidades econômicas, fragilidades ecológicas e as tendências de ocupação, incluindo as condições de vida da população. Essas informações reunidas irão compor cenários com diretrizes para a tomada de decisões e investimentos. O ZEE lembra muito o Plano Diretor dos municípios, só que em grande escala e, mais voltado para os aspectos ambientais.
O Zoneamento Ecológico Econômico existe há cerca de 20 anos no país em nível federal, com sua execução à cargo da Comissão Coordenadora do ZEE, instituída por decreto, em 1990. O objetivo maior da coordenação é organizar as decisões de agentes públicos e privados quanto a planos, programas de governo e atividades que utilizem recursos naturais – orientando estados e municípios. Também busca metodologias para estabelecer áreas prioritárias de conservação da biodiversidade, da água e do solo.
Instância interministerial, a Comissão Coordenadora possui um núcleo de instituições com experiências relacionadas para compor cenários tão diversos: Ministério do Meio Ambiente, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre outros. O trabalho não é pequeno: planejar, acompanhar e articular-se com os estados, apoiando-os na execução dos respectivos ZEEs, que podem ser aplicados também em macro-regiões, municípios e zonas de interesse específico, a exemplo do Rio São Francisco ou da BR-163, Santarém-Cuiabá.
O maior desafio do ZEE é fazer funcionar um verdadeiro sistema de interesses contraditórios. Após o uso do conhecimento técnico para planejar a exploração dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável num estado. Governo, setor produtivo e sociedade local precisam orientar suas decisões e atuações, tendo como foco as fontes de sobrevivência naturais mapeadas. Esforço que depende de participação e de um amplo movimento social para esse novo processo de ordenamento.
Mais uma bússola de planejamento e de políticas públicas do que uma imposição legal, o Zoneamento Ecológico Econômico é alvo hoje de um projeto de lei (PL 2048/07) que visa reforçar sua importância na PNMA. Pelo PL, que tramita na Câmara dos Deputados, os planos de ordenação do território e de desenvolvimento sócio-econômico deverão obrigatoriamente considerar as informações constantes no ZEE.
A proposta é que as informações sejam armazenadas em formato eletrônico e reunidas num banco de dados acessível ao público, uniformizando critérios. “O zoneamento deve se transformar no mais importante instrumento de estruturação dos setores florestas, madeireiro, pecuário, de agricultura, mineração, pesca e todos que exploram a natureza”, segundo o autor do PL, deputado Marcelo Ortiz.
Quem já tem
O panorama da realização do Zoneamento Ecológico Econômico no Brasil é bastante diversificado, já que mais de 15 estados estão elaborando ou implementando o ZEE (números de janeiro de 2008), com coordenação de seus respectivos órgãos de meio ambiente. Maranhão, Paraná e Ceará criaram o Zoneamento em convênio com entidades de ensino e pesquisa, empresas de pesquisa e extensão rural e parceria com órgãos federais. Já os estados do Amapá, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins, Pará e Pernambuco ainda estão no processo de elaboração do ZEE.
A visão macrorregional também orienta o uso dessa ferramenta de ordenação, que é parte, por exemplo, do Projeto de Revitalização do Rio São Francisco – terceira maior bacia hidrográfica do Brasil, ameaçada por esgoto, garimpo, fertilizantes, barragens e tantos outros impactos. No São Francisco, o processo de Zoneamento foi aprofundado: especialistas em biodiversidade, ecologia da paisagem e geoprocessamento definiram alguns alvos de conservação, além de pesquisadores e ONGs que revelaram informações sobre a distribuição das espécies selecionadas, criando-se cerca de 1,5 mil registros de fauna e flora ameaçadas e endêmicas. Os dados foram cruzados com mapas de cobertura vegetal remanescente, ocorrência de cavernas, entre outros, e só então definida a relevância biológica de cada porção do território. Os mapas permitiram construir então três propostas de cenários, com oportunidades e ameaças de conservação.
O Ministério do Meio Ambiente e da Integração Nacional, junto com outros órgãos da administração pública, também apresentaram uma proposta de ZEE para a região de influência da BR-163 (Cuiabá - Santarém) – 330 mil hectares da área conhecida como distrito florestal sustentável. O relatório, um retrato das limitações e potencialidades locais, apresenta quatro cenários possíveis, partindo do caos até algo mais próximo da situação ideal. Ferramenta para ser utilizada pelo poder público do Pará, e que apresenta sugestões inéditas, como a proposta de exploração de granito ornamental no Sul do Pará e gradações tipológicas de atividades econômicas à medida que se aproximam de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
Para chegar a conclusões como estas, o ZEE depende de um longo processo de consulta pública, que no caso dos estados ocorre em audiências públicas antes do documento seguir para aprovação na Assembléia Legislativa. No Mato Grosso, após 18 anos de discussões, a proposta de ZEE foi apresentada este ano pelo governador, Blario Maggi, com um desenho que prevê até 27% do território para áreas protegidas. Em audiência preliminar com mais de 40 entidades de vários setores, o texto já produziu polêmica reação do agronegócio. O debate ainda se estende por mais 12 audiências antes de seguir ao plenário para seu desenho final, previsto para ocorrer ainda em 2008.
As várias zonas do zoneamento
Para funcionar como um norte das ações mais urgentes de conservação, o Zoneamento Ecológico Econômico parte de alguns princípios, como: precaução, valoração dos serviços ambientais e ecossistemas, respeito à diversidade sociocultural, interdisciplinaridade, participação popular e publicidade. Tudo começa com um diagnóstico de recursos naturais, da economia e dos marcos jurídico-institucionais, para só depois se propor a divisão em zonas, com diretrizes gerais e específicas para cada atividade, criação de unidades de conservação, espaços para o extrativismo, a agropecuária, etc.
Pela lei, o poder público federal deve reunir e sistematizar as informações geradas por estados e municípios, e disponibilizá-las publicamente. Também estão previstas escalas de mapeamento: para o ZEE nacional esta escala é de 1 para 5 milhões; para macrorregiões de 1 para 1 milhão; nos estados os mapas chegam até 1 para 250 mil no Norte, Centro-Oeste e Nordeste e 1 para 100 mil no Sudeste, Sul e Zona Costeira, onde o detalhamento devido à ocupação deve ser maior; as ZEE locais ou municipais também têm escalas de referência de 1 para 100 mil, para uso de outros indicativos como planos diretores municipais, planos de gestão ambiental, usos em Áreas de Preservação Permanente.
Os ganhos da realização do Zoneamento Ecológico Econômico são de difícil mensuração, ao criar um desenho alternativo para o uso e ocupação com base em critérios ambientais. Passa-se a respeitar a vocação de cada área, determinando-se a concessão de incentivos fiscais, financiamentos públicos e licenciamentos ambientais com base neste grande mapeamento.
De outro lado, críticas ao Zoneamento dizem respeito à dificuldade de determinar a vocação de cada região respeitando diferentes grupos de interesse, num processo que em geral custa caro e leva tempo para ser construído. Se no estado do Mato Grosso, grandes agricultores protestam contra as restrições inclusas nas zonas de “relevante potencial florestal”, no Acre o ZEE em estágio avançado permitiu identificar e documentar o potencial e limitação do uso dos recursos naturais a cada parcela de terra, criando-se um diferenciado instrumento de referência, que orienta investimentos do governo. Além do mais, um dos possíveis perigos do zoneamento é que ele se transforme em letra morta, ou melhor, mapa morto, por causa de pressões de partes de sociedades não atendidas, dos próprios governos e até de atos ilegais como a grilagem de terras.
Alguns exemplos dos tipos de áreas que se pode contar em um zoneamento
•Áreas de preservação total
•Áreas para agropecuária
•Áreas urbanas
•Áreas para atividades sustentáveis
•Áreas de pesca
•Áreas de exploração mineral
•Áreas de extrativismo
•Áreas de histórico-culturais
•Agroindústria
•Exploração madeireira
O ZEE na prática
A partir do ZEE da Zona Costeira de São Paulo é possível ter uma idéia do que é o trabalho. Esse zoneamento está definido pelo Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (lei 10.019/98) que divide o litoral em: Vale do Ribeira, Complexo Estuarino Lagunar, Baixada Santista e Litoral Norte, áreas onde ainda existe uma boa representação da Mata Atlântica.
Em 2008, os ZEEs de cada região estavam em fase de finalização pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, na fase de consultas públicas. Mas as zonas apresentadas seguem o seguinte padrão:
Zona 1 – pesquisa científica, educação ambiental, manejo sustentável condicionado ao plano de manejo, empreendimentos de ecoturismo com padrões que não alterem as características ambientais, pesca artesanal.
Zona 2 – aquicultura, mineração, beneficiamento de produtos decorrentes da aquicultura e manejo sustentável (Nesse caso, ainda se preserva bastante, é bem restrito).
Zona 3 – agropecuária, silvicultura, beneficiamento de produtos agropecuários e pesqueiros, desde que, de baixo impacto, assentamentos humanos com características rurais.
Zona 4 – assentamentos urbanos, comércio e prestação de serviços de suporte aos usos permitidos.
Zona 5 – além das estabelecidas para as outras zonas, todos os demais usos e atividades previstas p/ zona costeira.

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